Manaus - AM, 22:25 do dia 20 de julho de 2009


Acho que subestimei a situação. O dia hoje amanheceu num clima estranho. Havia névoa no Monte das Oliveiras, como acontece de vez em quando. Aliás, antes era mais freqüente, quando ainda havia um pedacinho de mata onde hoje é a ocupação que os moradores apelidaram de Portelinha por causa de uma novela da globo. O fato é que daqui não enxergava nem o outro lado da rua direito, a névoa espessa misturada à poeira das ruas cobertas de barro faria qualquer um ter receio de se arriscar andando logo cedo. Mas o medo maior vem mesmo dessa epidemia misteriosa que transforma as pessoas em animais irracionais e canibais. Milênios de evolução da espécie humana se perdem após uma simples mordida de uma pessoa infectada.

Animais ou canibais, seja lá qual for o nome que se dá às pessoas infectadas, elas são assustadoras. Depois que a energia voltou, pudemos ver nos telejornais imagens aterradoras de pessoas ávidas por sangue ou carne humana. Quando ainda eram poucos, a polícia ainda conseguia contê-los e aprisioná-los. As câmeras focavam os rostos e os olhos incrivelmente inexpressivos daquelas criaturas que lembravam vagamente a figura de um ser humano. Pareciam aqueles endemoninhados dos filmes, só faltavam vomitar na cara das pessoas e falarem com aquela voz esquisita. Mas eles não falavam, eles no máximo emitiam alguns grunhidos, e pareciam ter perdido a coordenação, pois mesmo presos, ficavam agitados, como se estivessem tremendo.

***


Não consigo dormir mais que 4 horas por dia desde o dia 17, quando esse pesadelo teve início. Dia 18 nós saímos em busca de mantimentos e os comerciantes olhavam desconfiados para nós por detrás das grades que os assaltos constantes os obrigaram a colocar. Foi difícil encontrar um que nos deixasse entrar. Fomos eu, meu irmão e o Jorge no carro dele. Compramos muitos enlatados e alimentos não perecíveis. Foi estranho demais ver as ruas desertas, exceto por um carro ou outro passando a longos intervalos de tempo. Ainda bem que fomos cedo, pois às dez da manhã os jornais já mostravam o caos em São Paulo e os especialistas recomendavam estocar o máximo de alimentos possível e aguardar em lugares seguros. A procura foi grande e os comerciantes queriam guardar o que tinham para si; os mercados maiores fecharam as portas e ficou cada vez mais difícil encontrar alimentos para estoque.

Jorge foi se juntar à sua família depois de nos ajudar com os alimentos. Agradecemos a muito a sua ajuda e ele só aceitou ir depois que meu pai conseguiu fazer contato com os seus colegas da polícia – ele mesmo é um PM de licença médica.


Os PM's ficaram de vir nos pegar no dia seguinte. Nesse dia conseguimos relaxar um pouco, à noite. Resolvemos desligar a TV e conversar, contar histórias, tocar violão. Coisas que a família raramente faz fora dos dias em que falta energia elétrica. Mesmo assim, depois que deitamos, demorei a pregar os olhos.



Ontem os amigos do meu pai vieram em duas viaturas, cada uma com um motorista e dois soldados fortemente armados com metralhadoras e uma calibre doze. Decidimos ir para o meu apartamento que acabei de alugar no Eldorado. Eu gastei toda minha poupança e estourei meus cartões pra equipar o mais rápido possível o ap porque queria morar sozinho, mas, ironicamente, acabei tendo que trazer todos os familiares junto, por causa da segurança.



Os colegas do meu pai foram nos informando dos casos na cidade. O centro era o lugar menos seguro. Muitas pessoas que estavam no roadway do Porto de Manaus e na escadaria foram atacadas e a infecção se espalhou rápido. As ruas dos demais bairros estavam sendo rapidamente tomadas por esses seres animalizados. A polícia e o exército já havia recebido sinal verde para matar, pois as barreiras que foram feitas num primeiro momento pra tentar isolar os infectados, não estavam mais funcionando.



Quando estávamos passando pela Torquato Tapajós, vimos um acidente de carro. Os PM's pararam pra oferecer ajuda, mas quando viram dentro de um dos carros um "deles" mordendo os demais, atiraram com a calibre 12 em todos e voltaram para o carro, pedindo pra acelerar com tudo.



Hoje o dia foi tranquilo no aqui no apartamento. Os cadeados do portão de entrada, mais a porta de ferro e a porta de madeira nos dão uma sensação de segurança maior. Além disso, as janelas são gradeadas e o apartamento fica no alto.



Só fico aflito por causa dos mantimentos. Não sei quanto vai durar. E temo que em pouco tempo percamos a energia elétrica e a água... Melhor pensar no agora.



Ainda bem que posso escrever, pois é a única coisa que me dá alguma lucidez...

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