Campo Grande - MS, aproximadamente 15:00h do dia 23 de julho de 2009

O caderno no qual eu estava escrevendo os acontecimentos sumiu, então por enquanto, escreverei nesse rolo de papel higiênico mesmo... não entendo isso, mas não consigo pensar no fato de não registrar estes acontecimentos de alguma forma.. apesar de estar tremendo ainda, estou fazendo o máximo para continuar..

.. Quando contei à minha mãe sobre a transmissão no rádio, um sorriso de esperança surgiu em seu rosto.. imediatamente começamos a juntar as coisas e guardar em algumas caixas que estavam amontoadas numa prateleira.. organizamos uma boa quantidade de mantimentos também e fui em direção a porta..

..Agachado e caminhando silenciosamente, fui me aproximando como um felino se preparando para o ataque final, mas no caso, ataque era a última coisa que eu queria naquele momento.. cheguei pela lateral da porta de vidro, e com aquele espelho antes usado, comecei a verificar o lado de fora.. O carro continuava intacto e aparentemente sozinho.. olhei o máximo possível e não via uma alma viva, ou morta...

Com um certo receio, coloquei a cabeça no vidro para olhar melhor e realmente, não via nada aparentemente perigoso. Conclui que era agora ou nunca e abri a porta.. nesse momento, todos os meus sentidos estavam em alerta e a vontade de cravar um facão no peito de quem quer que estivesse ameaçando a vida da minha família, me veio a tona. Nada... ninguém... apenas um vento leve soprava e o mais absoluto silêncio reinava naquele posto.

fui até o carro e desativei o alarme, pra que?! Por que diabos eu tinha ativado o alarme antes? No momento em que o carro fez o seu *bip* *Bi* e as portas foram destravadas, ouvi um grunhido alto vindo de dentro de uma casa em frente ao posto, e logo em seguida, uma pessoa apareceu na porta da mesma.. mas não era uma pessoa comum e logo começou a ficar doida, tentando quebrar o vidro da porta que a mantinha presa ali.. chamei minha mãe gritando, sem ao menos pensar e ajudei ela a levar as coisas correndo para dentro do carro..entramos todos e dei partida.. por causa do desespero, nem percebi que o câmbio engatava a primeira marcha, então o carro deu um pulo e morreu..minha mãe começou a gritar para que eu ligasse logo, pois a criatura havia acabado de quebrar o vidro da porta e estava passando por ela..incrível como, apesar de estar se cortando toda, aquela besta só devia estar pensando(?!) em uma coisa, nos matar... Liguei o carro e sai o mais rápido que poude..

A criatura, que nessa hora já havia passado do portão, começou a correr atrás de nós.. e parecia muito determinada.. porém, algo me veio a cabeça e sem pensar, fiz o que jamais pensaria em fazer, coloquei a vida de todos em perigo.. freiei o veículo e engatei a ré.. pedi que se segurassem e comecei a avançar na direção do meu alvo..

Foi um impacto estranho.. atropelar alguém, ainda mais com o veículo em ré, não é como a gente imagina vendo na tv.. Você sente a batida, mas não apenas no aspecto físico, mas também no psicológico.. sua mente reproduz cada instante do corpo sendo lançado e na mesma hora, vêm a cabeça a lembrança de que aquele é, ou era, um ser humano..

Vi que a criatura se encontrava um tanto desorientada depois da queda e acelerei com toda velocidade..

Droga.. o rolo do papel acabou.. terei que encontrar outro...

Luiz Paulo M. de Souza

Manaus - AM, 22:25 do dia 20 de julho de 2009


Acho que subestimei a situação. O dia hoje amanheceu num clima estranho. Havia névoa no Monte das Oliveiras, como acontece de vez em quando. Aliás, antes era mais freqüente, quando ainda havia um pedacinho de mata onde hoje é a ocupação que os moradores apelidaram de Portelinha por causa de uma novela da globo. O fato é que daqui não enxergava nem o outro lado da rua direito, a névoa espessa misturada à poeira das ruas cobertas de barro faria qualquer um ter receio de se arriscar andando logo cedo. Mas o medo maior vem mesmo dessa epidemia misteriosa que transforma as pessoas em animais irracionais e canibais. Milênios de evolução da espécie humana se perdem após uma simples mordida de uma pessoa infectada.

Animais ou canibais, seja lá qual for o nome que se dá às pessoas infectadas, elas são assustadoras. Depois que a energia voltou, pudemos ver nos telejornais imagens aterradoras de pessoas ávidas por sangue ou carne humana. Quando ainda eram poucos, a polícia ainda conseguia contê-los e aprisioná-los. As câmeras focavam os rostos e os olhos incrivelmente inexpressivos daquelas criaturas que lembravam vagamente a figura de um ser humano. Pareciam aqueles endemoninhados dos filmes, só faltavam vomitar na cara das pessoas e falarem com aquela voz esquisita. Mas eles não falavam, eles no máximo emitiam alguns grunhidos, e pareciam ter perdido a coordenação, pois mesmo presos, ficavam agitados, como se estivessem tremendo.

***


Não consigo dormir mais que 4 horas por dia desde o dia 17, quando esse pesadelo teve início. Dia 18 nós saímos em busca de mantimentos e os comerciantes olhavam desconfiados para nós por detrás das grades que os assaltos constantes os obrigaram a colocar. Foi difícil encontrar um que nos deixasse entrar. Fomos eu, meu irmão e o Jorge no carro dele. Compramos muitos enlatados e alimentos não perecíveis. Foi estranho demais ver as ruas desertas, exceto por um carro ou outro passando a longos intervalos de tempo. Ainda bem que fomos cedo, pois às dez da manhã os jornais já mostravam o caos em São Paulo e os especialistas recomendavam estocar o máximo de alimentos possível e aguardar em lugares seguros. A procura foi grande e os comerciantes queriam guardar o que tinham para si; os mercados maiores fecharam as portas e ficou cada vez mais difícil encontrar alimentos para estoque.

Jorge foi se juntar à sua família depois de nos ajudar com os alimentos. Agradecemos a muito a sua ajuda e ele só aceitou ir depois que meu pai conseguiu fazer contato com os seus colegas da polícia – ele mesmo é um PM de licença médica.


Os PM's ficaram de vir nos pegar no dia seguinte. Nesse dia conseguimos relaxar um pouco, à noite. Resolvemos desligar a TV e conversar, contar histórias, tocar violão. Coisas que a família raramente faz fora dos dias em que falta energia elétrica. Mesmo assim, depois que deitamos, demorei a pregar os olhos.



Ontem os amigos do meu pai vieram em duas viaturas, cada uma com um motorista e dois soldados fortemente armados com metralhadoras e uma calibre doze. Decidimos ir para o meu apartamento que acabei de alugar no Eldorado. Eu gastei toda minha poupança e estourei meus cartões pra equipar o mais rápido possível o ap porque queria morar sozinho, mas, ironicamente, acabei tendo que trazer todos os familiares junto, por causa da segurança.



Os colegas do meu pai foram nos informando dos casos na cidade. O centro era o lugar menos seguro. Muitas pessoas que estavam no roadway do Porto de Manaus e na escadaria foram atacadas e a infecção se espalhou rápido. As ruas dos demais bairros estavam sendo rapidamente tomadas por esses seres animalizados. A polícia e o exército já havia recebido sinal verde para matar, pois as barreiras que foram feitas num primeiro momento pra tentar isolar os infectados, não estavam mais funcionando.



Quando estávamos passando pela Torquato Tapajós, vimos um acidente de carro. Os PM's pararam pra oferecer ajuda, mas quando viram dentro de um dos carros um "deles" mordendo os demais, atiraram com a calibre 12 em todos e voltaram para o carro, pedindo pra acelerar com tudo.



Hoje o dia foi tranquilo no aqui no apartamento. Os cadeados do portão de entrada, mais a porta de ferro e a porta de madeira nos dão uma sensação de segurança maior. Além disso, as janelas são gradeadas e o apartamento fica no alto.



Só fico aflito por causa dos mantimentos. Não sei quanto vai durar. E temo que em pouco tempo percamos a energia elétrica e a água... Melhor pensar no agora.



Ainda bem que posso escrever, pois é a única coisa que me dá alguma lucidez...

Campo Grande, 20:13h do dia 25 de Julho de 2009

Os dias e as noites são iguais, os monstros cercam a casa e só se ouve silencio e seus grunidos, nenhuma voz humana além da dos habitantes desse terreno.

Graças a Deus esses seres não escalam paredes, apesar de serem rapidos, não parecem ter inteligencia suficiente para isso, no máximo instintos primitivos de canibalismo. Me pergunto qual seria o motivo de quererem comer carne humana.

Os vizinhos são silenciosos, entretando, ha dois dias um bando deles conseguiu arrebentar um portão, ouvimos gritos e choro, tivemos medo, mas logo o silêncio reinou absoluto novamente, e eu sabia que nessa hora teríamos mais desses monstros na rua, ou pelo menos o que restou das vítimas do bando.

Uma coisa me consolava, eles NUNCA conseguiriam passar por esses muros, mas um dia teríamos que sair...

Campo Grande - MS, 16:10h do dia 20 de julho de 2009

Dois dias... dois malditos dias já se passaram e ainda estamos presos aqui.. ontem de manhã tive que percorrer a conveniências atrás de um banheiro.. com o facão na mão direita e a faca de cozinha na mão esquerda, segui pelo pequeno corredor que havia nos fundos do estabelecimento..

.. O corredor devia ter uns cinco metros apenas e no fundo haviam duas portas fechadas.. a da direita estava trancada e a da esquerda era o banheiro.. um banheiro simples, porém estava limpo.. A partir dai, trouxemos nossas coisas para o corredor e lá forramos o chão com um cobertor que minha mãe havia pego do carro.. por sorte havia também bastante garrafas de água mineral no freezer.. Fiquei com receio de tentar abrir aquela porta trancada e como estavamos bem ali, prefiri mante-lá assim.

Antes de dormir à noite, fiquei pensando o que poderia ter ocorrido com meus outros parentes e amigos.. aqui em Campo Grande não tenho muita família, porém, minha preocupação com eles também era grande..

.. Outra coisa estranha, era o fato de eu não ter visto mais nenhuma daquelas criaturas lá fora desde aquela vez.. uma hipótese que pensei é o fato de que, durante o ínicio do caos, muitas pessoas teriam tentado fugir para as saídas da cidade ou para lugares como a base aérea, o exército e o aeroporto, onde poderia haver mais proteção, fazendo com que aquelas criaturas os seguissem até la.. deixando lugares como este onde estou, vazios. Talvez o dono e os funcionários desta conveniências e do posto haviam partido, deixando a porta apenas encostada..

Nesse momento pensei em uma amiga que mora la perto.. ela vivia me dizendo, quando conversavamos sobre zumbis, que se um dia acontecesse, a casa dela era bem resistente e seu vizinho estava praticamente construindo uma "fortaleza".. isso me propiciou um pouco mais de alívio, pois pelo menos ela, eu sabia que estava bem.

.. Quando acordei hoje, dei uma volta de forma discreta pela conveniências e encontrei um pequeno rádio atrás de um armário.. liguei-o e tentei encontrar uma frequência funcionando.. fui passando até ouvir uma voz.."Estamos refugiados no Guanandizão e somos ao todo nove pessoas aqui.. trancamos todas as portas e temos bastante suprimentos e algumas armas.. se estiver ouvindo isso, venha até aqui.. um dos sobreviventes está no telhado observando o movimento.. por favor, venham se juntar a gente e traga mais mantimentos se possível.."..

O Guanandizão é uma quadra fechada de futsal e não estava longe daqui.. vi ali uma chance de deixar minha família em segurança.. chamei minha mãe e preparamos as coisas.. estou com medo de sair lá fora, mas é necessário.. então, se tudo der certo, logo voltarei a escrever..

Luiz Paulo M. de Souza

Campo Grande - MS, 20:36h do dia 20 de julho de 2009

Muitas coisas aconteceram desde que a infecção começou. Meus tios e meu irmão conseguiram voltar do mercado, gastaram 17 tiros da cartucheira e quase deixaram um desses monstros entrar em casa quando guardavam o carro.

O medo no rosto deles, assim que chegaram era aterrorizante. Disseram que quando avistaram o mercado a porta de ferro estava aberta como uma lata de sardinha e as comidas das prateleiras reviradas, no açougue, as carnes estavam azuladas e algumas apresentavam marcas de mordidas, havia sangue para todos os lados.

Eles disseram que não tiveram tempo de examinar muitas coisas, nem ver se haviam sobreviventes, abriram sacos pretos de lixo e começaram a colocar o que encontravam, nem sequer liam o que era, pegaram caixas de leite longa vida e latas de leite ninho para o bebê e as crianças pequenas, pegaram carne-seca, os legumes, verduras e frutas que ainda estavam bons e nesse desespero viram chegar do fundo do mercado um desses seres, que correu como um foguete para cima deles.

Mais do que rapidamente, meu irmão deu um tiro, a princípio nas pernas do monstro, mas ele não caiu, continuou a vir, então meu tio gritou: "mire na cabeça!" e foi o que meu irmão fez e deu fim no bicho, entretanto os tiros chamaram a atenção dos que estavam ao redor, a desgraça é que existe um condomínio, com prédios nas redondezas, e foi exatamente desses locais que começaram a aparecer os monstros, não demorou muito para que eles percebessem um portão aberto.

Meu tio disse que o grito que eles emitem quando enxergam uma presa, no caso nós, é horrível, e todos os outros respondem ao chamado.

Quase não deu tempo de entrarem no carro e um se jogou no capo, cospindo sangue em cima do pára-brisas, meu irmão ficou com tanto medo que não conseguia ligar o carro. Ele rodava a chave e nada, enquanto isso chegaram outros e começaram a arranhar os vidros e meu tio começou a gritar e ameaçou atirar, e foi exatamente o que ele fez, atirou em um, em dois, em um grupo, os anos de PE (Polícia do Exército) foram úteis, e quando um estava quase alcançando o braço do meu irmão pelo vidro quebrado, o carro voltou a funcionar e eles correram para casa.

Essa fuga não foi a melhor coisa, eles deveríam dar uma volta no quarteirão para despistá-los, mas o medo falou mais alto e eles foram seguidos até a nossa fortaleza.

Quando abrimos o portão para que entrasse o carro, um pulou em cima do capo e quase entrou junto, sorte que o seu Manuel, ex-militar aposentado, atirou e acertou o infeliz que caiu próximo ao muro, o carro entrou e fechamos o portão, não sem antes um susto de ver uma cara daquelas bem próxima ao meu rosto, quase me mordeu o desgraçado.

Meu corpo tremia todo, a adrenalina tomou conta de mim e eu fiquei em choque uns minutos, até voltar ao normal, é uma experiência que não desejo ter nunca mais, apesar de duvidar que não ocorra novamente.

Alinny Karen Bachi Rehbein

Campo Grande - MS, 07:00h do dia 18 de julho de 2009


Não sei exatamente quando começou a chover... a única coisa que minha cabeça conseguia reproduzir alguns minutos atrás era aquele rosto... pensei já ter visto a fúria nos olhos de algumas pessoas, mas aquilo foi algo sobrenatural...

..Após escutar algumas batidas no vidro da frente da conveniências, o medo, que até então havia se disperso, voltou até mim... Comecei a vasculhar o balcão a procura de algum espelho, que encontrei em uma das gavetas.. era um espelho pequeno, provavelmente de uma funcionária qualquer.. com um chiclete, o colei na ponta de uma caneta e posicionei o mesmo pela lateral do balcão, em direção a porta da frente..

..Podia ver o inferno naqueles olhos... um olhar vazio, sem vida, como se aquela alma houvesse sido consumida e naquele momento, uma besta cruel possuia um corpo em busca de sangue... podia sentir meu coração acelerando as batidas.. um suor frio começou a escorrer pelo meu rosto, até me fazer sentir o gosto amargo do medo...Por um momento eu me esquecia de onde estava, com quem estava e por que eu estava ali, apenas conseguia reproduzir aquele rosto na minha mente da forma mais brutal possível.. via seus dentes ensanguentados tentando morder o vidro da porta... seus braços, como um martelo, batiam levemente na porta, talvez ele não tivesse nos visto ou percebido nossa presença ainda... o sangue escorria pelo seu corpo podre, se misturando com a água da chuva.. o vidro aparentava ser resistente, talvez à prova de balas, mas isso não fazia diminuir o pavor que consumia minha alma naquele momento...Minha mãe estava cochilando com minha irmã.. sorte delas, pois presenciar uma cena daquelas era algo que eu não desejaria nem para o meu pior inimigo, se tivesse um..

Não sei por quanto tempo presenciei aquilo.. era algo surreal e aterrorizador..das outras vezes, não tinha percebido a fúria que jazia daqueles olhos, pois estava sempre em fuga.. mas agora.. agora eu podia sentir aquilo como se estivesse a um palmo do meu rosto..

.. Da mesma forma que o medo tomou conta de mim, um alívio como jamais havia sentido antes, me veio.. atrás da criatura, pela rua, um carro passou.. não estava correndo, talvez o motorista estivesse desorientado com tudo aquilo.. talvez tivesse enlouquecido.. mas em questão de segundos, a besta que tentava adentrar a conveniências, disparou em direção ao veículo.. como uma fera partindo para o bote, aquele ser humano feroz correu em direção à sua presa, emitindo grunhidos que faziam meu coração querer sair pela boca..

Soltei o espelho e me reencostei no balcão.. fiquei ali parado, apenas olhando o vácuo, por cerca de duas horas, talvez.. Agora já me sinto melhor, começo a entender que isto não é um pesadelo e sim algo bem real.. Uma vontade de sobreviver começa a percorrer o meu corpo.. sinto todos os meus sentidos em alerta e decido que algo deve ser feito.. deve ser feito pela minha vida e, principalmente, pela da minha família que ali se encontra..

Luiz Paulo M. de Souza

Campo Grande - MS, 06:18h do dia 18 de julho de 2009


Não preguei o olho a noite toda, as crianças acordaram cedo, sem entender direito o que estava acontecendo, eles estão confusos depois do que escutaram durante a noite. Na madrugada, estávamos sentados sem sono, levantando hipóteses e fazendo planos quando de repente ouvimos um barulho estranho lá fora.


Meu pai levantou-se e pegou alguns dos cartuchos da espingarda, por sorte ainda tínhamos uns cem, se preparou enquanto Daniel e meu tio pegavam as outras armas e carregavam. Minha mãe, a Luciana e minha tia-avó foram até o quarto das crianças e ficaram montando guarda, enquanto eu e minha avó fomos para o outro quarto, junto com os velhos. O seu Manuel ficou no corredor com outra arma carregada.


Após alguns minutos, ouvimos um tiro e um grito que se assemelhava a um animal ferido, não, não era o grito de um animal, era um demônio, as crianças acordaram assustadas, chorando muito, enquanto tentávamos consolá-las e fazerem com que se aquietassem e nao chamassem a atenção para onde estávamos. O outro barulho ouvido foi o de uma batida no portão de ferro e mais grunidos esquisitos, eu tive muita vontade de ir ver o que estava acontecendo mas alguma coisa me segurava dentro daquele quarto, era o pavor.


De repente ouve-se outro tiro e outro grito horripilante e me arrepio inteira, tudo o que eu mais desejo é sair dessa estória. Ninguém dormiu após esses acontecimentos, nem mesmo as crianças. Sinto pena delas, apesar de todos estarem confusos eu sei o que está acontecendo, nao importa como começou ou o que é, e sim que essas pessoas não são mais humanas e nós somos os alvos de seus ataques ferozes.


Alinny Karen Bachi Rehbein

Campo Grande - MS, 04:15h do dia 18 de julho de 2009

Como eu imaginava, a madrugada não está sendo fácil para ninguém.. minha irmã está tentando descansar nos braços de minha mãe, que ainda se mantém bem acordada.. Daria minha vida para que elas estivessem a salvo em algum lugar, mas o máximo que posso fazer é ficar de prontidão e aguardar...

Cerca de duas horas atrás, podiamos ouvir alguns sons estranhos vindo de fora da conveniência, mas preferi não me arriscar à levantar e olhar.. Eu tenho quase certeza que também ouvi um carro passando na rua, enfim... talvez seja minha cabeça tentando se apegar a alguma experança, no entanto, só me resta sentar e esperar...

..A vantagem de se estar numa conveniência é o fato de termos como nos alimentar sem utilizar dos mantimentos próprios, no qual podem ser mais necessários futuramente.. chega a ser estranho pegar algo sem pagar assim, mas o dinheiro agora com certeza perdeu grande parte do seu valor.. Penso se um dia poderei comprar alguma coisa novamente..

Será que isso é uma epidemia tão grave assim? Será que está só no Brasil? E o governo, o que estaria fazendo nessa situação?? Mais perguntas sem respostas e jogadas no vácuo circulam pela minha cabeça...

Algo estranho está batendo no vidro da loja, temo que sejam eles..

Luiz Paulo M. de Souza

Campo Grande - MS, meia-noite do dia 17 de julho de 2009

Montei guarda na árvore depois que ouvi no noticiário que a situação está descontrolada, ainda bem que aprendi a atirar, entretanto não usarei a arma enquanto não for de extrema necessidade.

Meu pai desesperou-se quando soube que não poderemos comprar mantimentos, se quisermos algo teremos que saquear e o Daniel continua com a idéia fixa de buscar mais munições, eu estou quase certa de que não sairemos todos vivos disso. Minha mãe, minha vó, a Rosana e a Luciana, esposa do Daniel fizeram uma lista dos mantimentos, temos o suficiente para um mês, se fizermos racionamento conseguimos sobreviver um pouco mais, meu tio e meu irmão querem pegar o carro e sair em busca de comida num mercado a 5 quadras de casa, aconselho a não fazerem isso amanhã, quando o caos será imenso.

Entretanto enfrentamos um dilema: as pessoas podem saquear antes e não deixar nada para nós, ou vamos na frente e encontramos bandos de zumbis...será necessário correr esse risco? Eu não sei, ainda prefiro que todos fiquem juntos e seguros, por esses portões de ferro ninguém passa, pulando o muro? Impossível, não daremos nas vistas de ninguém, até porque não há viva alma nas ruas, onde estarão todos? Bem, eu gostaria de subir até o telhado para ver se enxergo além dessa arvore, mas poderia ser vista por alguém, aqui é mais seguro...amanhã será um dia longo, não sei se desejo ver um zumbi, talvez esteja aqui na árvore morrendo de vontade de observar uma dessas criaturas, por enquanto não é nada muito real, talvez eu precise levar uma mordida para me certificar de que não estou dormindo.

Alinny Karen Bachi Rehbein

Campo Grande - MS, 23:47h do dia 17 de julho de 2009

Está escuro aqui, mas ainda entra um pouco do luar, o que facilita com que eu escreva.. Atrás deste balcão a segurança é quase nula, mas foi o único lugar que encontrei quando eles apareceram...

..Após sair de casa com minha mãe e irmã, dirigi pela a av. Bandeirantes completamente desorientado e sem saber onde ir.. onde estaria seguro? Onde eu poderia garantir que minha família estaria a salvo? Estas perguntas se mantinham constante em minha cabeça... olhando no retrovisor eu ainda enchergava muita fumaça vindo na direção do hospital.. podia ouvir gritos de desespero daquelas pessoas, mesmo sem ter presenciado...

As ruas pareciam desertas, um tanto estranho, pois numa situação dessa é de se imaginar que as pessoas queiram fugir.. vejo mais três carros logo a frente seguindo em uma velocidade média e quando o primeiro avança o sinal, outro carro vindo no sentido perpendicular o acerta.. a cena se passou tão rápido que a única coisa que vi foram dois corpos, aparentemente pendurados no carro que vinha correndo, voando na direção de uma loja, destruindo a vitrine com o impacto..

Eu e os outros dois carros freiam antes de acertar o primeiro.. Dois homens saem de um corsa e uma mulher sai do vectra que estava poucos metros à minha frente.. ainda tremendo com o susto, minha mãe pede que eu permaneça dentro do carro, pois ela repara que os corpos inicialmente jogados para dentro da loja, estão saindo em nossa direção... Buzino para os outros motoristas que estão na rua que logo se dirigem aos seus carros.. engato a ré e saiu do local, porém, ao andar cerca de uma quadra, algumas pessoas completamente descontroladas dominam a rua atrás de nós..

Sem alternativas, subo a primeira rua e sigo em direção à um posto de gasolina.. paro o carro e desço com o facão na mão para verificar se está seguro.. tremendo de medo e sem saber ao certo o que estou fazendo, entro na conveniências, um tanto escura e silenciosa.. mas por sorte, estava vazia...

Após levar algumas coisas para dentro, eu e minha mãe empurramos um freezer pesado até a porta, impedindo que seja aberta pelo lado de fora

Luiz Paulo M. de Souza

Manaus - AM, 23:25 do dia 17 de julho de 2009


A cidade está uma loucura! Quase não conseguimos sair da balsa no São Raimundo, as pessoas estavam se acotovelando pra conseguir um lugar dentro dela, muitos carros no caminho, a polícia tentando controlar a confusão...

Quando enfim conseguimos passar pela confusão no porto, vimos cenas impressionantes no caminho.

Primeiro fomos ao Santo Antônio, à casa do Jorge ver os pais dele. As ruas do bairro estavam semi-desertas, mas dava pra perceber muita agitação dentro das casas. Levamos os pais do Jorge até a lancha particular da família dele que estava no estaleiro de um amigo deles, próximo ao porto do São Raimundo. Um dos irmãos dele já estava por lá e os outros estavam a caminho.
Ainda bem que o Jorge é um bom amigo; na verdade o meu melhor amigo. Ele deixou os pais dele e se prontificou a atravessar a cidade pra buscar a minha família. Outra pessoa não faria isso por mim.

No meio do caminho vimos algumas das pessoas agressivas de que os jornais falavam. Nunca vi coisa igual! Pareciam bichos! A principais vias da cidade estavam congestionadas: a Constantino Nery, a Djalma Batista, tudo isso a gente ouviu no rádio enquanto ainda estavam noticiando os fatos. Vimos o engarrafamento de longe e as pessoas “raivosas” atacando os carros, tentando quebrar os pára-brisas e pegar as pessoas, muitas correria...

Conseguimos chegar aqui em casa atalhando por ruas desconhecidas pelo bairro Compensa, depois viemos pela estrada do Tarumã. O Monte das Oliveiras está num clima sombrio, faltou energia, mas dessa vez não sei se foi por causa dos “gatos” da invasão, como sempre acontece, ou porque o caos realmente se instalou na cidade.

Minha família estava relutante em sair de casa por causa do que contamos a eles e pelas coisas que viram na TV. Decidimos ficar por aqui hoje, já que as principais vias estão congestionadas e os portos também. Por outro lado, como é um bairro distante e aqui não tem muita aglomeração de pessoas, calculamos que os “raivosos” vão demorar a chegar aqui.

Há boatos de que os ataques estejam sendo feitos por zumbis, mas eu não acredito muito nessa história.

Parece que teremos uma longa noite...

Campo Grande - MS, 22:30h do dia 17 de julho de 2009

Chego em casa depois de percorrer algumas ruas, ainda tremendo.. O que foi aquilo que vi?? Aquelas pessoas estavam alteradas e queriam me matar de qualquer forma... e aquele carro que explodiu?? Minha cabeça girava enquanto pensava nas várias coisas..

Mau consegui colocar a moto pra dentro, já fui entrando em casa e chamando minha mãe.. Eu sabia que aquelas pessoas não demorariam para chegar até em casa e logo teriamos que sair dali, então procurei manter a calma e bolar um plano.

Enquanto minha irmã separava algumas roupas e minha mãe separava todos os mantimentos possíveis de se carregar no carro, eu procurei qualquer coisa que servisse como arma. Peguei o facão em cima do armário, já bem gasto, porém ainda cortava.. algumas facas grandes na gaveta e uns dois espetos. Coloquei uma faca na bainha e pendurei na cintura, as outras deixei enroladas em uma toalha. Separei algumas coisas aparentemente banais, porém, que podem ser úteis, como: Barbantes, fita adesiva, etc.

Carregamos o carro da melhor forma possível e partimos de casa...

Luiz Paulo M. de Souza

Campo Grande - MS, 22:30h do dia 17 de julho de 2009

Sempre me arrepiei com os plantões da TV, mas agora eles são tão constantes que não me causam mais angústia. Dessa vez falam de uma explosão no hospital, não sabem o motivo, mas a região está um caos, a saída para Sidrolândia está interditada e as pessoas estão descontroladas, a polícia mais uma vez pede que as pessoas não saiam de casa e não abram a porta para ninguém.

Continuo não vendo movimentação na rua, essa ausência de vida me assusta. Desço da árvore para comer algo e usar o banheiro, o sono não vem, mas não sou a única que não consegue dormir, os únicos que descansam a sono solto são as crianças e os velhos, nesse momento eu invejo a tranquilidade dos ignorantes, alguns adultos estao incrédulos ainda, meu pai tem esperanças de tudo se normalizar amanhã e ele poder comprar mantimentos, pareço ser a única a saber que o pior está por vir.

Não comento nada para não criar pânico, mas sei que a ameaça ainda não foi vista, quando eles se derem conta de que nosso único inimigo é o tempo, não sei quanto tempo restará de tranquilidade. Sempre tive dificuldades de viver o presente somente, sem planejar o futuro, e agora eu não enxergo um futuro, pelo menos não num mundo em que eu estava acostumada.

Sinto que está cedo para propor vigilia, tenho vontade de pedir que durmam agora porque não sei quando teremos uma noite tranquila, minha cabeça não pára, o que fazer se a casa for invadida? O que fazer se alguém for infectado? Que medidas tomar caso precise fugir? Como carregar duas senhoras de quase 90 anos e uma criança de 7 meses? Cresce a vontade de dar um tiro na cabeça e acordar desse pesadelo.

Alinny Karen Bachi Rehbein

Campo Grande - MS, 22:20h do dia 17 de julho de 2009


Já estou percorrendo à 20 minutos pelo meu bairro e reparo algumas ruas desertas.. pessoas estranhas estão paradas perto de postes e bebendo em bares a esta hora...

A curiosidade é maior e sigo em direção ao hospital Rosa Pedrosian.. Indo pela Av. Ernesto Geisel, ao longe reparo que há um certo movimento ao redor do hospital.. alguns carros começam a sair em disparada e duas ambulâncias estão batidas no muro.. algumas pessoas saem do prédio correndo e começam a atacar outras pessoas..

Distraido com a cena e muito perplexo, nem percebo quando quase acerto um carro parado em minha frente... aperto o freio da moto, causando um barulho irritante no asfalto. Quando me recomponho, percebo que algumas pessoas começam a correr em minha direção, como se estivessem muito furiosas.. Sem pestanejar, volto para a primeira marcha e acelero na contra mão pela mesma avenida que vim... As pessoas parecem não se cansar, mas aos poucos vão sumindo atrás de mim..

Mais a frente, alguns carros começam a vir contra.. eu tento buzinar e acenar para que não continuem por ali, mas é inevitável e poucos segundos depois, vejo uma explosão logo atrás... Entro em uma das ruas do meu bairro e pego o caminho de volta para casa..

Luiz Paulo M. de Souza

Campo Grande - Ms, 22:00h do dia 17 de julho de 2009


Ansioso e Nervoso perante os fatos, não consiguo dormir.. Sentados na sala, algumas noticias locais afirmam que um homem, de aparentemente 40 anos foi levado para o hospital Rosa Pedrosian, aparentando um estado de raiva...

Apreensivo, reparo no quanto minha mãe e irmã estão assustadas, pois o hospital é bem perto daqui.. tento acalma-las, porém, o medo estampado em seus rostos é triste...

Quando sirenes de ambulâncias, polícia e bombeiros começam a soar constantemente pela região, percebo que a situação se agravou.. Ansioso esperando por notícias, deixo minha mãe e irmã em casa e saio com a moto para verificar como estão as coisas aqui por perto..

Luiz Paulo M. de Souza

Cacau-pereira - porto da balsa, 21:50 do dia 17 de julho de 2009

Estamos na balsa, agora, saindo do Cacau-pereira. A travessia do Rio Negro até Manaus dura em torno de 30 min nessa balsa, ela é a maior mais lenta. Normalmente teríamos que esperar até o dia seguinte, pois não teria mais balsa nesse horário, só que a situação é de emergência e há muito movimento de gente indo e vindo de Manaus. Na verdade, pouca gente está indo à Manaus comigo e o Jorge, o que me deixa ainda mais apreensivo. A balsa que vem de lá e cruzou com a nossa no meio do caminho estava abarrotada de gente e de carros, coisa incomum para o horário. Não sei o que nos espera em Manaus.


Eu normalmente sou tranquilo e despreocupado, mas confesso que essa situação está mexendo com meus nervos. Há pouco liguei para os meus pais e eles me contaram que há dois casos confirmados em Manaus e as agências de notícias dão notícias desencontradas de quantos estão em quarentena. As notícias sobre ataques nas ruas crescem a cada instante e o trabalho no Hospital Tropical é intenso pra descobrir a causa dessa epidemia. Por mim mesmo, eu não faria mais nada, não me importaria de me jogar agora mesmo ao rio e fazer companhia aos botos, talvez me encontrar com Yara. Mas não sei do que seria capaz para defender minha mãe e meus irmãos de qualquer tipo de coisa que os quisesse atacar. Nunca briguei na rua, nunca tive uma grande aventura; não sei como posso ajudar, mas sei que não vou ficar parado enquanto os meus estão à mercê de pessoas enlouquecidas no meio da cidade.


Se ao menos meu pai estivesse são, mas seus joelhos já não lhe são tão obedientes... E minha mãe? E essa balsa que não chega!!


...


Nossa! Estou avistando agora o porto do São Raimundo: quantos carros!! Quantas pessoas, quanta confusão!!


Vou para o carro, agora. Será que faço uma promessa?


São Francisco, rogai por nós!

Campo Grande - MS, 21h do dia 17 de julho de 2009

Não conseguirei dormir, a adrenalina é maior e me deixa acordada, as crianças já dormiram de cansaço, minha vó não deu notícias ainda, meu pai planeja com os outros homens sair para buscar mais mantimentos amanhã.

Ouvimos na rádio que uma pessoa havia sido levada para o hospital regional com convulsões, ele havia chego de São Paulo a pouco mais de um dia. A TV disse que ele teve parada cardio-respiratória e após voltar não apresentava os sinais da convulsão mas sim uma raiva parecida com a raiva canina e atacou enfermeiras e médicos, que por sua vez, em algum minutos apresentaram os mesmos sintomas.

Militares foram enviados para conter as pessoas, médicos pediram que a populaçào não entre em contato com estranho de comportamento violento ou dê abrigo a pessoas machucadas, imagina-se que a contaminação se de através do contato com a saliva e/ou sangue dos infectados, não sabemos se só humanos são hospedeiros desse organismo ou outros animais podem transmitir essa doença.

Após essa notícia, fiquei com medo até dos coelhos que meu pai trouxe da chácara da minha avó, ele disse que seriam úteis, já que se multiplicam rapidamente, sua carne é saborosa e nutritiva e são silenciosos. Estou em cima da árvore ainda, esperando para ver se acontece alguma coisa, um misto de ansiedade e medo me deixam nervosa demais para dormir.

Lembro de mandar um torpedo para meu namorado, será que em Goiânia está o mesmo caos? Ele mora em um prédio, isso o protegerá. Mando uma mensagem pedindo que ele fique em casa e não abra a porta para ninguém e assim que puder me dê notícias.

Meu pai acha que temos suprimento suficiente para um mês e meio, dois talvez e graças a Deus o vizinho possui poço artesiano, não sabemos quanto tempo ficaremos em nossa fortaleza. Daniel, o vizinho que abrigamos diz que está disposto a buscar munição para as armas, ele tem dois filhos pequenos e muito medo do que possa acontecer.

Alinny Karen Bachi Rehbein

Porto de Manacapuru - AM, 20:40 do dia 17 de julho de 2009


Logo depois que ligaram a TV iniciou-se um alvoroço pela casa. Estava no meio do Jornal Nacional e o Willian falava com uma expressão mais grave que de costume em notícias ruins. Ou pelo menos foi assim que me contaram. Eu estava tocando violão quando a discussão que teve início. O que seria a tal doença infecciosa? Alguns diziam que era um surto de raiva, outros que era a correria da cidade que deixava as pessoas assim, “estressadas”. Sem entender muito, perguntei o que estavam discutindo e eles contaram sobre pessoas atacando outras pessoas, das imagens chocantes dos jornais. Homens que pareciam bichos. A mulher do caseiro disse que era o demônio tomando conta das pessoas. “É o fim dos tempos”, dizia.



Jorge, meu amigo, decidiu que deveríamos voltar a Manaus imediatamente pra ver a dimensão real da situação, pois a tal infecção está se alastrando com muita velocidade e já havia casos em várias cidades do estado de São Paulo e nas principais capitais. Arrumamos as mochilas e andamos até o barranco à beira do Solimões onde esperamos a lancha pra atravessar o rio. Ficamos todos tensos, calados, olhando o rio imenso. Um grupo de botos passou mais adiante, arrancando um sorriso e dando assunto pra uma breve conversa.



Na lancha, o rapazinho que nos conduzia perguntou se já sabíamos da notícia. Disse que em Manacapuru até o prefeito já tinha feito um pronunciamento na TV. Todos estão muito alarmados aqui no porto, onde espero o meu amigo que foi buscar o carro na casa de um parente. Aliás, ele já vem vindo.



Deus nos proteja do pior.

Lago do Pesqueiro - área rural de Manacapuru - AM, 19:30 do dia 17 de julho de 2009

Estou agora em um terreno do meu amigo na área rural de Manacapuru. Vim para sair um pouco de Manaus e de seu ritmo frenético característico de uma metrópole, que me levou ao estresse. O médico recomendou repouso e atividades prazerosas. Lá fora o céu está estrelado, como há tempos não via na cidade. Estrelas cadentes caem a todo momento e já cansei de fazer pedidos.

O dia foi bom. Ajudei o pessoal na pesca, subi na mangueira, ajudei a tanger o gado.Estávamos há pouco tocando violão depois de ir tomar banho na beira do rio. Paramos porque o caseiro veio contar sobre algo que ouviu no rádio. Algo sobre uma doença infecciosa que está perturbando o país. Eu acho que é a gripe suína, ainda, mas o caseiro não soube explicar. Como aqui não pega telefone, foram ligar o gerador pra ver se dá alguma notícia na TV. Eu resolvi ficar sozinho uns instantes, escrevendo esse diário. A psicóloga disse que ia me fazer bem. Sem mais para o momento, vou tocar um pouco de violão.

Campo Grande - MS, 17: 24h do dia 17 de julho de 2009


O bairro está silencioso, moro perto do aeroporto e se essa infecção tiver que começar será por aqui...a única coisa nas ruas são carros militares anunciando que o toque de recolher está decretando a partir das 18h e quem for pego na rua será encaminhado para a base aérea de Campo Grande.

Subo na árvore do quintal e não vejo nada além disso, me sinto segura com os militares pois eles possuem armas e pelo menos alertarão quando começarem a chegar as pessoas. Na TV regional falam que uma pessoa foi levada com uma espécie de "raiva" para o Hospital Rosa Pedrossian, fico tranquila pois o hospital é bem longe de casa, mas mesmo assim algo me diz que nem tudo está sob controle, vejo um certo medo nos olhos dos militares, como se eles tivessem visto de perto as imagens que vi pela TV.

Minha mãe e uma vizinha preparam a comida, meu pai espera que amanhã dê para ir ate um mercado comprar mais mantimentos, pois o número de pessoas é grande e temos um bebê conosco. Perdemos o contato com a minha avó em São Paulo, mas rezamos para que ela esteja bem, a TV mostra cenas chocantes nas diversas capitais do País, em Campo Grande não demorará para chegar, o aeroporto parece estar bem protegido, a cidade por si é uma base militar com aeronáutica e exército, mas são quase 800 mil hab espalhados por uma área imensa de 8.096,051 km², logo a situação que vejo na TV se reproduzirá por aqui.

Alinny Karen Bachi Rehbein

Campo Grande - MS, 18:20h do dia 17 de julho de 2009

..Já são quase 18:30 e as noticias sofreram um desenvolvimento considerável durante o dia.. o que antes era apenas um caos entre pessoas descontroladas, algumas emissoras acusam a possivel manifestação de um vírus, altamente perigoso e contagioso.. Na Globo, um especialista em virologia tenta explicar a situação, mas nada diz de concreto.. autoridades anunciam estado de alerta e muitas pessoas estão em pânico nos centros urbanos...

Desconfiado de que a doença possa chegar até aqui, começo a verificar os mantimentos em casa, juntamente com minha mãe e nos preparamos para uma possível fuga... Depois de pegar todo o dinheiro disponível, levo o carro para encher o tanque e na ida, percebo que muitas pessoas ainda não se ligaram com o que está ocorrendo... sei que minha casa não é resistente para um possível ataque de uma multidão, porém, sair assim em meio ao pânico pode ser perigoso.. prefiro esperar e ver o que pode acontecer..

Campo Grande - MS, 07:03h do dia 17 de julho de 2009

Acordei cedo com a movimentação na minha casa, minha mãe desesperada ligando para minha avó em São Paulo para ver se ela esta entre os infectados pela misteriosa doença e pede que ela nao saia do prédio onde mora meu primo.

Ligo a TV e vejo imagens de pessoas como se estivessem numa espécie de transe, correndo atrás de outras pessoas, isso me lembrou de algo que sempre temi, uma doença que fizesse com que perdessemos a noção de "ser humano" e nos transformasse em animais raivosos. Sem pensar duas vezes, convenço meu pai a buscar minha outra avó e minha bisavó, que moram numa chácara fora da cidade, antes que ela seja tomada pelos infectados.

Falo para minha mãe arrumar todos os mantimentos, colocar tudo em caixas dentro do carro, enquanto atravesso a rua para conversar com meu vizinho, faz um tempo que percebo que as reformas feitas em sua propriedade, transformaram a casa toda, que ocupa três terrenos sendo um deles de esquina, em uma fortaleza, muros de mais de três metros de altura e cerca eletrificada, portões de ferro com sistema eletrônico, um quintal enorme de terra com uma mangueira, que poderia servir de observatório para a rua e grades de ferro nas portas e janelas.

Observo a minha casa, apesar de ser bem protegida, com muros altos e portão de ferro, a casa ao lado nao tem proteção suficiente, o portão é fraco e lá moram minha tia-avó e minha outra bisavó. Corro ate lá e peço que façam o mesmo com seus pertences e mantimentos.

Ligo a TV, São Paulo continua um caos, aeroportos fechados, mas há suspeita de que o vírus tenha se espalhado para outras cidades. Moro perto da base aérea e nesse momento, vejo a movimentação militar nas ruas, decretando toque de recolher e os aviões passando em cima de casa. Sorte que a família do meu vizinho é de São Paulo e eles nao virão tao cedo para cá, levamos os carros e mantimentos até a casa dele, fechamos a nossa casa e esperamos meu pai chegar.

Vou até o guarda-roupas e pego as duas espingardas e o 38, pego munições, ligo para meu pai e peço que ele não se esqueça da espingarda do meu avô e do revólver dele, juntamente com as balas. Ele chega em menos de uma hora, no momento exato em que o governo decreta estado de emergência, com outras capitais do País sendo destruidas, e alertando que em poucas horas quase todas as grandes cidades do Brasil estariam com pessoas infectadas.

Desligo a TV e percebemos o caos nas ruas, todos buscando lugares para esconder, a maioria das pessoas correndo para chácaras, tolas, lá serão alvos fáceis, coloco minha família em segurança, encostamos dois carros no portão, assim ninguém, nem morto nem vivo conseguirá derrubá-lo, barras de ferros e pedaços de madeira são utilizados nos portões menores, a ordem é não abrir para mais ninguem, por mais desesperado que possa parecer.

Dentro de poucas horas as ruas tornam-se desertas, as pessoas estão dentro de casa ou tentando fugir da cidade. Somos ao todo 21 pessoas dentro do terreno, temos cinco idosos e cinco crianças entre nós.

Alinny Karen Bachi Rehbein

Campo Grande - MS, 06:20h do dia 17 de julho de 2009


..Quintas feiras para mim costumam ser rotineiras e trabalhosas... Antes de abrir a lan house, liguei a tv para assistir o jornal, mas a notícia que se seguia era a mesma em todos os canais.. Muita confusão e os repórteres anunciando um caos na maior metrópole do Brasil... Pessoas, aparentemente sem motivo algum, começaram a atacar os outros nas ruas.. um tumulto sangrento onde seres humanos se dilaceravam como se fossem animais irracionais movidos pelo instinto.

..Depois de 4 horas grudado na tv tentando entender a situação, outras informações surgem, anunciando que o caos se espalhou por outras regiões de São Paulo... Seria isso uma revolução Anarquista, um atentado terrorista, uma doença?? Até então, a única coisa que eu sei, é que algo muito estranho, jamais visto antes, começou a se alastrar..

Luiz Paulo M. de Souza

São Paulo - Zona Sul, anoitecer do dia 16 de julho de 2009

"... Ao que tudo indica, estamos presenciando mais uma discussão na zona sul de São Paulo.. alguns boatos apontam para uma possível dívida, já outras pessoas nos disseram ser brigas de família...

Vejam! Alguns gritos estão vindo la de dentro, parece que o que antes não passava de uma discussão, se tornou algo mais sério... A polícia já foi acionada e uma viatura está a caminho.. as pessoas ainda continuam tumultuando a frente da casa, há muito barulho dentro e mais gritos...

.. Vamos tentar chegar mais perto.. algumas pessoas estão saindo do tumulto..

- Senhor! Senhor! Você conhece a família? Saberia dizer o que está havendo ali?

-Olhe eu...

...Mais o que é aquilo? Um rapaz acaba de sair da residência e está todo ensanguentado! Ali, filma ali, veja, uma senhora, aparentemente de uns 70 anos acaba de sair também.. meu Deus! O braço dela está completamente destruído.. eu.. noss.. a viatura acaba de chegar, dois políciais foram abordar o rapaz...

.. Eu não posso acreditar nisso, o rapaz atacou o policial com mordidas no pescoço! O outro começou a atirar nas pernas do jovem mais ele não para de morder.. é absolutamente inacreditável a cena que estamos presenciando aqui está noite.. a senhora agora acaba de morder o braço do segundo policial que tenta se desvencilhar.. é realmente inexplicável como uma senhora conseguiu morder tão forte o braço daquele homem..

.. As pessoas estão saindo agora, parece que ficou mais sério do que podia se esperar.. tem gente correndo.. dois homens entraram e estão tentando soltar o jovem e a velha dos policiais, mas.. algo mais estranho acaba de acontecer, os policiais acabam de cair e estão agonizando no chão.. agora os dois homens se tornaram os alvos do jovem e da senhora...

.. Eu realmente não consigo entender o que está se passando... a expressão no rosto deles é de uma fúria e uma vontade indescrítivel de atacar a pessoa mais próxima.. alguns já estão com o celular comunicando de novo a polícia.. o que se segue ali naquela varanda é algo jamais visto antes.. os dois homens estão agora sendo completamente agredidos pelo jovem.. a senhora continua mordendo o braço do policial.. ninguém mais tenta se manifestar a ajudar...